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Cérebro pandêmico: sem agilidade, sem memória e sem desejo

Introdução por Kleber Godoy



A Covid-19 chegou e logo tomou todo o mundo e o mundo de todos: pandemia. Todos os seres humanos expostos ao estresse, cada um com seus conteúdos, por um longo tempo. Adaptações, readaptações e muita incerteza de quando isso tudo iria (irá) passar. E, apesar do clima de normalidade (negação), ainda não passou. Agora, mais de 1 ano e meio depois do início, vamos nos dando conta das sequelas, tendo que cuidar dos sequelados e dar suporte à (re)construção de um mundo ainda em desequilíbrio. Toda essa alta exposição ao estresse gerou ansiedades, burnouts, depressões, separações, não-encontros, doenças e mortes e, mais do que isso, a incerteza de quando tudo isso iria parar. É natural, nesse contexto, que nossa psique demore um tempo para se readaptar e reconstruir a confiança e a esperança, lidando melhor com os afetos negativos, com o medo, com a vida e seu devido (normal?) grau de ansiedade.


Agregado a esses sintomas psicológicos e psiquiátricos, os cientistas têm observado uma desregulação no organismo das pessoas nesse momento, mais especificamente nos níveis de cortisol, gerando o que tem sido chamado de Cérebro Pandêmico. Apelidado de hormônio do estresse, o cortisol é uma substância regulada pelo cérebro e secretada acima dos rins, essencial para que consigamos acordar pela manhã, ter agilidade, entrar na dinâmica da vida e enfrentar os momentos de estresse. Por isso tudo que o pico tende a ser pela manhã, em sua produção normal. Esse hormônio participa de muitas funções de nosso corpo, desde a pressão sanguínea até a cognição (atenção, concentração e aprendizado, etc.).


Se você for continuamente exposto a situações estressantes e não conseguir lidar de forma adequada com elas, tudo isso se desregula e dá espaço para fadiga, exaustão, fraqueza, depressão, obesidade, diabetes, dores de cabeça, diminuição da libido e da memória, pânico... enfim, um universo de sintomas físicos e psicológicos precipício abaixo.


Onde estou colocando minha energia? Necessito despender toda essa energia para isso?


O cortisol é bom, prepara o organismo para enfrentar situações de luta e fuga, para o que nos causa estresse e condições adversas. Mas como podemos equilibrar isso? Bom sono, alimentação saudável, melhor conduta de vida para com os momentos desafiadores, exercícios físicos... enfim... bons hábitos de vida. Quem faz psicoterapia normalmente consegue ganhar autoconhecimento e escolher de forma mais adequada, entre as alternativas disponíveis, onde colocar a energia a fim de trazer mais prazer para a vida. Além disso, tende a desenvolver inteligência emocional para se lidar com o que é desafiador, assim como desenvolver ferramentas que facilitam o caminhar/fluir/navegar/voar pela vida. O processo psicoterapêutico, mesmo quando lida com mudanças orgânicas, ajuda a pessoa a ressignificar a sua história e olhar para as possibilidades que ali estão, além da névoa. Assim como o yoga, a meditação, as atividades físicas/esportivas e os mais variados interesses pela vida relativizam aquilo que nos oprime, nos permite poder olhar para o outro lado também, resgatando o sentido, acreditando que viver vale a pena e pode ser melhor.


A pandemia de Covid-19 trouxe toda uma incerteza que desequilibrou o sistema emocional, colocando uma lupa nas questões que urgiam por serem resolvidas. Tudo já estava ali, mas agora se vê com mais clareza e não dá mais para fugir. Passamos a tropeçar nos problemas dentro dos pequenos espaços e da pouca mobilidade. Resultado: estresse. Além disso, a pandemia trouxe um aumento a produção de cortisol por si só já que é uma doença infecciosa grave com resposta inflamatória muito grande. Para conhecermos um pouco mais sobre esse contexto atual, segue abaixo um artigo de José Carlos Cueto da BBC Brasil, de 09/08/2021. Boa leitura!


 

Covid: o que é cérebro pandêmico e como ele afeta nosso dia a dia


A exposição prolongada ao estresse crônico provocado pela pandemia está tendo mais consequências do que podemos imaginar.

O estresse crônico e os longos períodos de confinamento não afetaram apenas nossa capacidade de memória e concentração. — Foto: Getty Images


Sento para escrever este texto. Começo. Estou indo bem, já tenho 100 palavras. Na verdade, acho que esta última frase talvez não esteja clara. Deleto. Acabo apagando tudo. Como faço para voltar? Página em branco. Mente em branco. Os minutos passam. Eu checo o telefone. É impossível me concentrar!


É muito provável que no último ano e meio você tenha sentido algo semelhante ao realizar alguma atividade.


Se for o caso, não se preocupe. Você não está sozinho. Temos um cérebro pandêmico.


Não se trata de um termo clínico, mas é assim que alguns cientistas chamam a série de males que nosso cérebro está sofrendo como resultado da pandemia.


O estresse crônico e os longos períodos de confinamento não afetaram apenas nossa capacidade de memória e concentração. Alguns especialistas acreditam que é possível que algumas áreas do nosso cérebro também tenham diminuído de tamanho.


Mas será que vamos ficar assim para sempre?


Estresse prolongado


Os especialistas concordam que o principal responsável pelas mudanças na nossa mente é a longa exposição ao estresse por tanto tempo, o estresse crônico.


"Há níveis 'bons' de estresse. Se você precisa completar uma tarefa em um prazo apertado, uma vez que você completa, o estresse vai embora. Tudo acaba", exemplifica Michael Yassa, neurologista do Centro de Neurobiologia da Aprendizagem e Memória da Califórnia, nos EUA.


O isolamento social causa exposição prolongada ao estresse, impactando o volume de várias áreas do cérebro envolvidas em nossas atividades diárias — Foto: Getty Images


"Mas quando o fim não está à vista, e o estresse continua por uma sessão prolongada, se torna problemático", explica Yassa à BBC News Mundo, serviço de notícias da BBC em espanhol.


É isso que está acontecendo com a gente na pandemia. Vivemos um estado prolongado de espera, de confinamentos e relaxamentos, restrições e medidas de proteção sem saber quando vamos recuperar o que hoje chamamos de normalidade.


O estresse prolongado libera cortisol e, se você tiver problemas contínuos com esse hormônio, ele pode afetar o volume de algumas áreas do cérebro.


A neuropsicóloga Barbara Sahakian, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, tem analisado os efeitos do distanciamento social e da ansiedade durante a pandemia em nossa massa encefálica.


"Por meio de exames de imagem de pessoas socialmente isoladas, detectamos mudanças no volume das regiões temporal, frontal, occipital e subcortical, assim como no hipocampo e na amígdala", conta Sahakian à BBC News Mundo.


"Já no passado, níveis elevados e prolongados de cortisol foram associados a transtornos de humor e encolhimento do hipocampo. Isso é observado especialmente em pacientes com depressão", acrescenta.


Em 2018, por exemplo, um estudo publicado na revista científica Neurology, da Academia Americana de Neurologia, mostrou que um alto nível de cortisol em pacientes estava associado a uma memória e percepção visual pior, assim como a volumes mais baixos de massa cinzenta total, occipital e do lobo frontal.


E essas mudanças de volume, como as detectadas por Sahakian, podem afetar diretamente as atividades que realizamos no dia a dia.


"Esse conjunto de problemas que afetam a saúde mental e geram depressão e ansiedade é o que estamos chamando coloquialmente de cérebro pandêmico", ressalta Yassa.


Estudo do Incor mostra que 80% dos pacientes recuperados da Covid tiveram sequelas como perda de memória e dificuldade de concentração.


Como o cérebro pandêmico nos afeta no dia a dia?


Sahakian dá um exemplo muito comum.


"Você para o carro em um estacionamento de vários níveis em um shopping. Você volta depois de várias horas. Por um momento, você se perde e não consegue lembrar onde deixou o carro. O hipocampo é a área do cérebro responsável por implementar essa memória, justamente uma das áreas mais afetadas pelos efeitos da pandemia."


O hipocampo também está envolvido nos processos de aprendizagem. Além disso, é uma área que normalmente se deteriora com a idade.


"É por isso que os idosos podem ser mais vulneráveis, embora também tenhamos detectado que as crianças podem sofrer atrasos no desenvolvimento social e de linguagem", argumenta Sahakian.


Mas os efeitos do chamado cérebro pandêmico vão muito além de um leve comprometimento da memória ou declínio na capacidade de aprendizagem.


Há muitos receptores que são sensíveis ao cortisol, por isso várias redes neurais são afetadas, o que se revela em nossas possíveis oscilações de humor frequentes, sentimentos de medo ou incapacidade de concentração, de realizar várias tarefas ao mesmo tempo ou tomar decisões sem hesitação.


Isso se deve ao seu impacto no sistema límbico e na amígdala, sendo esta última responsável por nos fazer sentir emoções.


"Muitos pacientes descrevem uma sensação de 'névoa cerebral' e se queixam que não tomam mais decisões da mesma forma que faziam antes", explica Yassa.


Naturalmente, essa carga psicológica também é acompanhada por consequências fisiológicas irremediáveis.


Sahakian e sua equipe estão estudando as variações em nossos cérebros causadas pela pandemia — Foto: Getty Images


Não afeta a todos da mesma forma


Como em tudo, o cérebro pandêmico é mais suscetível em algumas pessoas do que em outras. Aqui, entram em cena a resiliência individual e o nível de estresse a que estamos submetidos.


Quem padeceu com o isolamento social não sofre tanto quanto alguém que perdeu um familiar ou conhecido, ficou desempregado ou foi infectado.


Nestes casos, além do estresse crônico, também pode surgir o estresse pós-traumático, aumentando a instabilidade da saúde mental, a depressão, o sofrimento e a ansiedade.


"Alguns de nós mostraram mais resiliência e criaram estratégias durante o confinamento para nos mantermos saudáveis, como seguir uma rotina de exercícios físicos. Mas, para os mais afetados, pode ser mais difícil seguir esse tipo de atividade", diz Sahakian.


"A autogestão do estresse é algo pessoal que nem todos nós alcançamos da mesma forma. Todos nós já tivemos estresse em nossas vidas. Se conseguimos superá-lo, esse estresse pode até ser bom em certo ponto", completa.


É possível se recuperar?


Yassa quer acreditar que é possível superar as mudanças sofridas, mas reconhece que não será da noite para o dia — e que vai demorar.


"As pessoas superam desastres naturais ou a perda de entes queridos, por isso também devemos superar isso. Mas primeiro a causa precisa desaparecer", esclarece.


"À medida que as liberdades forem recuperadas, e as pessoas retomarem o contato social, todos nós vamos melhorar", acrescenta Sahakian.


Enquanto esperamos pelo retorno à normalidade, os especialistas aconselham adotar algumas técnicas para trazer de volta nossas funções cognitivas.


"Precisamos nos desafiar com jogos de memória para recuperá-la, assim como aprender coisas novas", recomenda a neuropsicóloga.


Yassa acredita que devemos nos concentrar em criar uma espécie de "harmonia de ritmos".


"Levantar da cama na mesma hora, comer regularmente e fazer exercício físico dá ao cérebro uma chance melhor de se recuperar."


Mas embora essas atividades possam ser suficientes para muitos, Sahakian reconhece que alguns de nós podem precisar da ajuda de profissionais.




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